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  • O que não te contaram sobre o filme ‘Geni e o Zepelim’

    O que não te contaram sobre o filme ‘Geni e o Zepelim’

    Geni é travesti. Foi com essa narrativa que o filme “Geni e o Zepelim” foi aprovado e captou recursos públicos, como consta nos registros da Agência Nacional do Cinema (ANCINE). Mas, ao chegar na fase de realização, a produção decidiu substituir a personagem por uma mulher cisgênero, escalando também uma atriz cis para o papel principal. A decisão gerou indignação na comunidade trans e em aliados do audiovisual, que denunciaram o apagamento em curso.

    O longa é uma adaptação cinematográfica da famosa canção “Geni e o Zepelim”, de Chico Buarque, de 1978, que compôs o musical “Ópera do Malandro” e deu origem a diversas obras nos anos seguintes. A música chegou a virar peça e um filme em 1986, que deixa claro que o motivo da hostilidade contra Geni era por sua identidade de gênero.

    Joga pedra na Geni! Joga bosta na Geni! Ela é feita pra apanhar! Ela é boa de cuspir! Ela dá pra qualquer um!
    Maldita Geni!

    Chico Buarque sabia disso, a mídia sabe disso e Anna Muylaert, diretora e roteirista do longa, também sabia disso. Ainda assim, em suas redes, após a comunidade trans e pessoas cis-aliadas de grande importância no cenário cinematográfico e cultural apontarem por transfobia, Muylaert se pronunciou afirmando que a canção de Chico abria margem para “várias leituras” sobre quem seria Geni. 

    Sinopse do filme ‘Geni e o Zepelim’ aprovado pela ANCINE

    “Entenda a polêmica do filme Geni e o Zepelim”, “A polêmica em torno de personagem trans do filme ‘Geni e o Zepelim’”, “Polêmica: o que motivou troca de atriz cis por trans?” foram as mensagens propagadas nas matérias que repercutiram o filme. Nessas e em tantas outras notícias, uma palavra chamou a nossa atenção: ‘polêmica’. Seria essa a melhor forma de chamarmos os últimos acontecimentos envolvendo a personagem Geni? 

    Da denúncia à mobilização

    E se ao invés de polêmica, falássemos em apagamento, apropriação ou epistemicídio, um apagamento da memória? Essa é uma das reivindicações da Associação de Profissionais Trans do Audiovisual (APTA), que teve papel fundamental no diálogo com a produção do filme em absorver as críticas da comunidade trans de modo a evitar o transfake que estava em curso — sem receber qualquer contrapartida financeira por isso. 

    Alice Muniz, atual presidenta da APTA, nos contou que já presenciou diversos corpos interpretando Geni. Mas, em nenhum deles, Geni estava sendo representada nos palcos por uma atriz travesti. Ela nos lembra do poder da representatividade: “O transfake mina toda uma força das travestis brasileiras e da população trans brasileira marginalizada de poder se reconhecer e se empoderar perante uma tela de cinema”.

    Foto:Arquivo pessoal de Alice Muniz

    Muniz comenta que mudanças ao longo da execução de projetos audiovisuais são comuns e que isso sempre foi feito no cinema, ainda que nem sempre de forma justa. Seja por uma justificativa criativa, artística ou social, como em aumentar a repercussão e impactar mais pessoas. Lembremos do caso de Telma Lipp, que foi convidada a participar do filme Carandiru para interpretar Lady Di, chegando a participar ao longo de meses dos ensaios, sendo trocada pelo ator Rodrigo Santoro, um homem cis interpretando uma travesti, por movitos de “marketing”.

    O mesmo aconteceria com o filme de Muylaert, em que Geni deixaria de ser interpretada por uma travesti para ser uma personagem cisgênero. A diferença é que, dessa vez, a justificativa não foi suficiente. “Fazer isso hoje em dia com as pessoas trans organizadas dentro do audiovisual, a gente vai se mobilizar para pedir uma reivindicação justa. A gente vai falar, porque se em silêncio a gente apanha, pelo menos a gente vai apanhar falando”, comenta Alice.

    Foi por conta dessa mobilização da comunidade que o rumo do filme voltou a sua história original. Geni será interpretada por uma travesti: a atriz Ayla Gabriela estreia como protagonista em seu primeiro longa. 

    O uso indevido da pauta trans

    A mobilização expôs outra camada do problema: o uso da pauta trans como estratégia para captação de recursos públicos, sem compromisso real com a representatividade.

    Giu Vatiero, especialista em Direitos Autorais e Culturais, nos explicou que no Brasil projetos audiovisuais que recebem apoio público, como os fomentados pela ANCINE, são regidos por um instrumento jurídico chamado Termo de Execução Cultural. Esse termo é mais do que um simples contrato administrativo: ele vincula o proponente à execução fiel da proposta aprovada, a qual, por sua vez, é avaliada com base em critérios técnicos, conceituais e cada vez mais sociais.

    “A presença de uma travesti em destaque em um longa-metragem tem um peso político, simbólico e social inegável. Essa presença foi utilizada como critério de mérito para a aprovação do projeto e a posterior substituição dessa pessoa por uma atriz cisgênera, sem autorização prévia da agência, pode configurar descumprimento do Termo de Execução Cultural. Essa alteração atinge não só a concepção artística, mas o próprio compromisso que justificou o uso de recursos públicos”, afirma Vatiero. 

    Isso significa que, ainda que mudanças ao longo do percurso do projeto sejam comuns, uma mudança como essa na identidade de gênero da personagem protagonista do filme abre um precedente alarmante no uso de recursos públicos aprovados com o uso da pauta trans.

    Escuta, ação e reparação

    Para reparar os danos e garantir maior representatividade trans no cinema, a APTA divulgou uma carta com reivindicações direcionadas à produção de Geni e o Zepelim. As demandas incluem a escolha de uma nova protagonista trans, revisão do roteiro por pelo menos três profissionais trans, contratação de no mínimo 10% de equipe técnica trans e reconhecimento público da falha, com compromissos claros em relação à saúde mental, segurança e bem-estar das pessoas trans envolvidas no projeto.

    Ao assegurar que Geni será interpretada por uma atriz travesti, o filme dá um passo importante. “Essas ações podem marcar o início de um processo de reparação histórica que o audiovisual brasileiro precisa e deve assumir. Não se faz cinema justo sobre travestis sem travestis. É tempo de escuta, ação e reparação”, diz a carta.

  • Projeto criado por homem trans oferece capacitação gratuita e mentoria para empregabilidade de pessoas trans

    Projeto criado por homem trans oferece capacitação gratuita e mentoria para empregabilidade de pessoas trans

     “Eu me olhava e me sentia completamente sozinho.” É assim que Noah Scheffel, gestor e idealizador do projeto Educa Transforma, descreve o início de sua transição de gênero social. O processo, marcado por desafios pessoais e profissionais, teve no ambiente de trabalho um ponto de tensão. “Achava que era um espaço de acolhimento e segurança, mas acabei passando por episódios de muita transfobia, ansiedade e depressão”, conta.

    A experiência de Noah não é isolada. Em 2024, o número de afastamentos do trabalho por questões de saúde mental cresceu 68%, com ansiedade e depressão liderando os diagnósticos. Noah chegou a ser internado em um hospital psiquiátrico. Foi nesse contexto solitário e adoecedor que ele decidiu transformar sua vivência em ação.

    Foto: Noah Scheffel

    Nasceu assim o Educa Transforma, projeto criado por Noah para capacitar gratuitamente pessoas trans e conectá-las com oportunidades reais de empregabilidade. “Queremos mudar a realidade expressa em dados como o de que 90% das mulheres trans e travestis recorrem à prostituição”, afirma.

    O projeto atua na raiz do problema: a educação. Segundo o defensor público João Paulo Carvalho Dias, que presidiu a Comissão de Diversidade Sexual da OAB em 2016, cerca de 82% da população trans abandona a escola ainda na infância ou adolescência. Essa evasão compromete o acesso ao mercado de trabalho formal, uma vez que sem formação mínima, currículos de pessoas trans são automaticamente descartados, isso sem contar o preconceito envolta da comunidade da sigla LGBT que mais morre no Brasil. 

    Desde 2019, o Educa Transforma já capacitou mais de 600 pessoas e doou cerca de 80 computadores. Com trilhas de aprendizagem em parceria com empresas e organizações, o projeto oferece formações em habilidades de comunicação, liderança, trabalho em equipe, programação, softwares e idiomas — todas voltadas exclusivamente para pessoas trans e 100% gratuitas.

    “O Educa Transforma tenta suprir a ausência de políticas públicas, ajudando na criação de redes de apoio que impactam diretamente na empregabilidade da população trans”, destaca Noah.

    Mentoria e curso em ciência de dados com inscrições abertas até 11 de maio

    Neste mês de maio, o projeto lança uma nova iniciativa de mentoria para aumentar as chances de pessoas trans ingressarem no mercado de trabalho. A formação, com foco em currículo estratégico, LinkedIn e comunicação para processos seletivos, acontecerá de forma online e ao vivo nos dias 26, 28 e 30 de maio, das 19h às 21h.

    Além disso, estão abertas as inscrições para o curso introdutório em ciência de dados para iniciantes que busca ensinar conceitos fundamentais da área de dados, Python e Marching learning, nos dias 27/05, 29/05, 03/6, 05/06, 10/06, 12/06 e 17/06.  Ambos os programas estão com inscrições abertas até o dia 11 de maio (domingo).

  • Virada TransCultural em Campinas pressiona por cotas trans na Unicamp 

    Virada TransCultural em Campinas pressiona por cotas trans na Unicamp 

    Entre os dias 24 e 26 de março de 2025, a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) será palco da Virada TransCultural, um evento gratuito que reunirá uma ampla programação cultural, incluindo rodas de conversa, apresentações artísticas e exibição de filmes. Organizada pelo Núcleo de Consciência Trans (NCT) da Unicamp, a iniciativa tem um duplo objetivo: ampliar a visibilidade da população trans e pressionar a universidade pela aprovação de cotas trans.

    Entre os destaques da programação está a participação da deputada federal Erika Hilton, que ministrará uma palestra sobre a vivência trans e a luta por direitos no Brasil. A programação também conta com batalhas de rima, performances, exposições e uma Ballroom.

    Para Alu Vieira, Mestrando em divulgação científica e coordenador da Virada TransCultural, a iniciativa é um importante espaço de mobilização para apoiar a comunidade que ainda vivencia uma universidade conservadora e excludente em relação às pessoas trans.

    “A Virada é um espaço de visibilidade para pressionar e levar a comunidade para a votação das cotas trans, que acontecerá no dia 1º de abril”.

    Alu Vieira

    A Virada também presta homenagem a ativistas que se dedicaram à luta por uma universidade mais plural e equitativa é outra vertente do evento. Entre eles, Agnes Lemos, educador popular, pioneiro na luta trans na Unicamp e um dos fundadores do NCT. 

    “Seu falecimento trágico, devido a violências sistemáticas direcionadas a grupos sub-representados, reforça nossa determinação em alcançar as cotas. Nosso esforço vai além do acesso às universidades públicas, buscamos garantir igualdade de oportunidades e de condições de vida digna para todas as pessoas trans”, comenta Luara Souza, cofundadora do NCT e da Virada, coordenadora de relações públicas e instituições da Associação Ateliê TRANSmoras.

    Confira a programação

    24 de março (segunda-feira)

    • Abertura com a performance Blocos + Roda de Capoeira (Maracatucá, Cupinzeiro e Capoeira para Todes) (9h às 10h30)
    • Abertura Quando conseguimos asas para voar (Vicenta Perrotta, Suzi Santos e Carolina Iara) (10h30 às 12h)
    • Capoeira para todes (12h às 12h50)
    • Palestra de Erika Hilton (13h às 14h30)
    • Mesa “Entre teses e Palcos: Transmasculinades na Cultura e no Saber) (14h30 às 16h)
    • Performance Amor não doi (17h30 às 18h)
    • Exibição do filme Eanna – Santuário Travesti (Laboratório de Imagem e Som – LIS) (19h às 20h30)
    • Discotecagem (20h30 às 22h)

    25 de março (terça-feira)

    • Mesa-redonda Conhecimentos em Trânsito: Por uma academia em transição (9h às 10h30)
    • Lançamento de livro (10h30 às 11h30)
    • Mostra científica cultura (13h às 18h)
    • Exibição do filme Eanna – Santuário Travesti 
    • Show Disforia Queer Core (18h às 19h)
    • Show Alice Guel (19h às 19h30)
    • Show MonaG (19h30 às 20h)
    • Discotecagem (20h às 22h)

    26 de março (quart-feira)

    • Exibição Filme Masculinidades Plásticas (10 às 11h)
    • Roda de conversa sobre a cultura do Vogue + Oficina  (Majestade Babilônia) (14h às 15h30)
    • Discotecagem (15h30 às 16h30)
    • Show de Oderiê (17h às 18h)
    • Ball das Casas (celebração da cultura e resistência trans e queer) (18h30 às 22h)

    Serviço

    Evento: Virada TransCultural da Unicamp
    Data: 24 a 26 de março de 2025
    Local: Unicamp – Barão Geraldo, Campinas (SP)
    Endereço: R. Elis Regina, Cidade Universitária, Campinas – SP, 13083-859
    Entrada: Gratuita

  • Orí não mente: nós pessoas trans sempre fomos de Orixá

    Orí não mente: nós pessoas trans sempre fomos de Orixá

    Há quem diga que o povo trans não deve ser de Axé. Mas nós sempre fomos de Orixá. Somos Iyalorixá, Babalorixá, Iaô, Ekedji, Ogã, Abiã, filhas, filhos e filhes de Santo. Saudamos Exu nas encruzilhadas, batemos cabeça no chão do terreiro, pedimos a bênção. Aprendemos com os mais velhos, cantamos, dançamos e cultuamos nossa ancestralidade. 

    No Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé, celebrado em 21 de março, a Transmídia destaca a importância dos terreiros para a população trans e travesti no Brasil. Nós, que vivemos a exclusão social e muitas vezes familiar, encontramos (e nos reencontramos) nos Ilês uma nova possibilidade de vida, amor e união.

    Yalorixá Lavinnya Melo (Arquivo pessoal)

    Com cinco anos de casa aberta, Lavinnya acolhe muitas pessoas trans e LGBTQIA+ que chegam ao terreiro sem aceitar quem são. Ela, como mãe, faz o seu papel: acolhe, apoia e ensina que Orixá não vê genitália de ninguém. Orixá quer nossa cabeça e nosso coração para que a gente faça boas ações e caminhe com paz, prosperidade, caminhos abertos e estradas largas.

    A Yalorixá também reforça que a transgeneridade, assim como a homossexualidade, sempre existiu — e está presente nas histórias dos Orixás, que viveram na Terra. Ela lembra que Pomba-giras e Exus já se apresentavam dessa forma desde o tempo da escravidão, mantendo viva a ancestralidade desses corpos.

    Se o povo preto é ancestral, o povo trans também é!

    Ayô Tupinambá

    Esse pensamento também é compartilhado por Ayô Tupinambá, cantora e filha do Terreiro de Umbanda Urubatão (T.E.U) da Guia, na Zona Sul de São Paulo. No seu terreiro, cerca de 90% das pessoas são LGBTQIA+.

    Ayô nasceu e cresceu nos cultos evangélicos, mas saiu da igreja devido às violências que sofreu ao iniciar sua transição. Na época, ainda atuava como missionária em Natal, Fortaleza. Ela conta que foi no terreiro em que é filha que encontrou acolhimento, potência e um espaço onde poderia viver sua religiosidade e ancestralidade como um corpo travesti.

    Ayô Tupinambá (Crédito: Gabz 404)

    “Quando Iansã baixa no meu corpo, ela respeita a minha identidade de gênero. Se não respeitasse, ela nem baixava, né? Saber que Orixá baixa no meu corpo travesti mostra como o terreiro é um espaço de fortalecimento da minha própria existência”, conta Ayô, filha de Oyá.

    Ela também lembra que a tradição não pode ser usada como justificativa para exclusão e cita o caso recente do Afoxé Filhos de Gandhy, que impediu a participação de homens trans e pessoas transmasculinas no cortejo de Carnaval.

    “A tradição está aí para ser mudada, né? Antes, só mulheres cisgêneras incorporavam. Depois, os homens começaram a incorporar, mas apenas os Orixás considerados masculinos. Com o tempo, eles também começaram a ser feitos em Orixás femininos. Minha mãe de santo, Gui Watanabe, sempre me ensinou uma coisa que aprendeu com a sua Maria Mulambo: “A felicidade é inegociável.”

    Iyálòrísá Verah D’Osun (Arquivo pessoal)

    Em 2017, Verah D’Osun, que é uma mulher cisgênera, consagrou a primeira pessoa trans em seu Ilê. Passados mais de dez anos, ela não apenas segue acolhendo mais filhos, filhas e filhes trans, como também os tem em importantes funções, como é o caso de sua Ekedji, uma mulher trans, escolhida por Orixá, para cuidar e zelar do sagrado. 

    Para a Iyá, Olodumarê, o grande criador  e divindade suprema do Yorubá, ama seus filhos como iguais, cada um com sua individualidade. Ela também explica que muito se fala sobre Orí, de não ofender o Orí, que o Orí é um Orixá próprio, um Exú e um mundo próprio da pessoa, mas muitos ainda querem colocar os seus preconceitos e receios acima disso.

    “Quem sou eu para falar que um homem trans tem que usar roupa feminina, se o Orixá dele aceita como ele é? Podemos ser filhos e filhas de reis e rainhas, mas não somos Orixás. O conselho que eu dou para os sacerdotes e sacerdotisas é: olhe com amor, porque o amor quebra muitas barreiras. Essa é a missão dos povos tradicionais de terreiro, quebrar o preconceito e o medo”. 

    O projeto, que nasceu a partir da pesquisa de mestrado ÌGBÀMÍRÀN ÀIYÉ: O Ethos Afro- Brasileiro e a Transgeneridade na Religião dos Orixás, de autoria do Babalorixá Alan de Ogun (Ogundeje), reflete o compromisso dessas tradições religiosas com a justiça social e a valorização da diversidade.

    Glossário

    Ekedji: Pessoa responsável por cuidar e zelar dos Orixás e do terreiro, sem incorporar.

    Orixá: Divindades cultuadas nas religiões de matriz africana, ligadas à natureza e aos elementos da vida.

    Orí: A energia espiritual e destino individual de cada pessoa, considerado um Orixá próprio.

    Iorubá: Povo e língua de origem africana, de onde vêm muitas tradições do Candomblé.

    Ilê: Casa de culto aos Orixás, também chamada de terreiro.

    Axé: Força espiritual que rege tudo no universo, transmitida por meio de rituais e vivências.

    Maria Mulambo: É uma Pomba-Gira, importante entidade espiritual feminina afro-brasileira

  • NON-BINARY CODE: Evento discute tecnologia, sustentabilidade e diversidade de gênero 

    NON-BINARY CODE: Evento discute tecnologia, sustentabilidade e diversidade de gênero 

    São Paulo recebe, no dia 15 de março, a primeira edição do NON-BINARY CODE, evento gratuito que promove debates, oficinas e experimentações entre tecnologia, sustentabilidade e diversidade de gênero. A programação inclui painéis com especialistas, desenvolvedores, engenheiros e ativistas, além de atividades interativas que exploram inteligência artificial, cultura maker e códigos abertos.

    O evento é gratuito e aberto a todas as pessoas interessadas em tecnologia, sustentabilidade e diversidade de gênero, independentemente do nível de conhecimento na área, com impacto esperado em novas lideranças de 16 a 55 anos. A inscrição pode ser realizada pelo site oficial que direciona para a plataforma da Sympla. 

    Um dos destaques do evento será a interação com Códigos Abertos, promovendo transparência e autonomia, de forma plural, na criação tecnológica. Uma das oficinas, focada em Inteligência Artificial, ensinará sobre prompts e formas conscientes de navegar por programas de IA e inovação colaborativa por meio da Cultura Maker. Os visitantes também terão a oportunidade de escrever e visualizar algoritmos em tempo real, explorando a relação entre arte, dados e sociedade. Essa atividade será conduzida por uma monitora que auxiliará o público na criação de comandos abertos e na construção de imagens e textos.

    O NON-BINARY CODE é realizado pela Spiral Ascent Future e conta com apoio de secretarias municipais de São Paulo, além de coletivos LGBTQIAP+, indígenas e periféricos voltados à educação e inovação tecnológica. O evento busca ampliar o debate sobre inclusão digital e diversidade no setor tecnológico.

    Serviço

    📍 Local: Centro Cultural Olido – Av. São João, 473, Centro Histórico de SP
    📅 Data: 15 de março de 2025, das 13h às 20h30
    🎟 Inscrições: Site oficial / Sympla
    📌 Pitch de projetos: Inscrição aqui

  • Casa 1 realiza VIII Semana da Visibilidade Trans com tema “Nas Tramas do Corpo”

    Casa 1 realiza VIII Semana da Visibilidade Trans com tema “Nas Tramas do Corpo”

    Entre os dias 2 a 8 de fevereiro, a Casa 1, centro de cultura e acolhimento de pessoas LGBTQIAPN+, realizará a oitava edição da Semana de Visibilidade Trans e Travesti com o tema “Nas Tramas do Corpo”. Sediado no Galpão da organização, no centro da cidade de São Paulo, o evento marca o início da programação do Centro Cultural e tem como objetivo evidenciar os talentos, práticas, histórias e lutas de corpos historicamente marginalizados.

    A edição deste ano contará com shows, rodas de conversa, café literário, oficinas e feira de pequenes produtores sob a curadoria do escritor, especialista em Mídia, Informação e Cultura e produtor de conteúdo, Jonas Maria. Ele também coordena o Texto Junkies, clube de leitura com foco na leitura e discussão de obras trans, finalista do Prêmio Jabuti na categoria de Fomento à Leitura.

    “Propus que a ideia do corpo fosse central esse ano, visto que o corpo não se reduz a biologia, mas é sobretudo moldado e atravessado por questões políticas, sociais e culturais. O corpo está sempre em disputa. Falar sobre o corpo é falar sobre identidade, autonomia, pertencimento e cidadania”, comenta o curador.

    Entre as pessoas participantes do evento estão Catto, cantora e compositora, que realizará o show de abertura, além de outras figuras importantes para o cenário trans que vão compor os debates:  Neon Cunha, Rafa Brunelli, Juvi Chadas, Vitorelo, Ary, Barbit, Tito e Gabriel Lodi. Todas as atividades são gratuitas e buscam promover um espaço de convivência seguro para pessoas trans e travestis.

    Confira a programação:
    02/02 – Show de abertura com Catto
    03/02 – Mesa Corpos fora da curva: transexualidade e interseccionalidade
    04/02 – Oficina de Cozinha e Café literário: O corpo trans no quadrinho nacional
    06/02 – Mesa Trans marombeiros: conversas sobre disforia e pressão estética
    08/02 – Feira de Pequenes Produtores com JAM da House of Zion

    Endereço: Galpão Casa 1 – Rua Adoniran Barbosa, 151, Bela Vista

    Sobre a Casa 1

    Fundada em 2017, a Casa 1 é uma ONG de referência na oferta de serviços de atendimento social para pessoas que foram expulsas de casa por suas orientações afetivas sexuais e identidade de gênero. Conheça a seguir os serviços oferecidos pela organização:

    República de Acolhida

    A residência tem como foco a promoção de autonomia e organização de jovens que, de uma hora para outra, se vêem sem um teto. Funcionando como casa de passagem, o tempo de estadia é de quatro meses. Neste período, são trabalhadas questões de saúde clínica, mental, educação e empregabilidade.

    Clínica Social 

    A saúde mental também é ponto fundamental e, por isso, em setembro de 2018, o trabalho dos e das profissionais de saúde se expandiu e passou a atender o público, além de seguir atuando com os residentes. De plantões de escuta a atendimentos psicoterápicos diversos, a Clíncia Social atende à demanda de cuidados com a saúde mental da comunidade LGBT+.

    Centro Cultural

    Em paralelo, o centro cultural Casa 1 conta com uma programação recheada de atividades nas mais diversas áreas. Com atendimento universalizado, aberto para todos e todas, o espaço tem o propósito de estabelecer uma relação com o entorno e promover uma programação totalmente gratuita, que se aproxima da população que mora na região e também explora, além das questões LGBT+, recortes de raça e classe.

    Para seu funcionamento constante, a Casa 1 aceita diversos tipos de doações de forma recorrente. Você pode fazer a sua contribuição acessando aqui.

    Créditos da foto de capa: Flávio Maravilha

  • Mapeando a cinematografia: 7 longas dirigidos por pessoas trans

    Mapeando a cinematografia: 7 longas dirigidos por pessoas trans

    Para além da pauta sobre a contratação de atores e atrizes trans e travestis no campo da interpretação, que ganha destaque sempre que surge uma denúncia sobre o “transfake” — termo usado para se referir a filmes e séries que escalam atores e atrizes cisgêneros para interpretar pessoas trans — é necessário ampliar esse debate para a composição das equipes e para o cerne da criação, o que envolve as políticas culturais estratégicas de captação de recursos por meio de editais as práticas de negociação e a consciência do inegociável. Somente dessa maneira é que conseguiremos produzir filmes que expandem os universos desgastados das narrativas trans no cinema. 

    Desenvolvendo uma pesquisa de doutorado com foco nas cinematografias trans, Noá Bonoba* mapeou sete filmes dirigidos por pessoas trans. O mapeamento parte de um debate sobre a redistribuição de acessos e das políticas afirmativas como estratégia de reparação histórica pelas ausências de pessoas trans na cinematografia brasileira e no mercado de trabalho audiovisual.

    Realizar um mapeamento da nossa cinematografia é, na verdade, construir história e registro, visibilizando e respondendo aos apagamentos das nossas produções diante de diversos fatores que deslegitimam suas existências. O elemento discursivo que orientou esse mapeamento foi a tentativa de agir na reestruturação dos critérios do que é considerado um filme. Em diálogos com diversos realizadores trans, constatamos que a forma como o mercado audiovisual se organiza tende a nos excluir.

    As oportunidades para pessoas trans e travestis sempre foram escassas, e a própria inserção da comunidade T no mercado de trabalho é atravessada por preconceitos e barreiras, que vão desde o âmbito familiar até o ambiente escolar, refletindo em sequelas ao longo da vida adulta. Essa relação de rejeição e negação de pessoas trans e travestis nos espaços de trabalho resulta em oportunidades limitadas de formação e acesso ao conhecimento hegemônico, levando a comunidade T ao desemprego e à precarização de suas vidas.

    Entre os desafios enfrentados pela produção audiovisual trans, destacam-se:

    1. Dificuldade de acesso a recursos para a realização de filmes.
    2. Dificuldade de seleção em festivais.

    Cientes desses obstáculos, o mapeamento foi realizado com critérios que subvertem as lógicas do mercado, que normalmente ditam os parâmetros qualitativos de uma obra cinematográfica. Nesse mapeamento, não importa se o filme foi selecionado em festivais, se ganhou prêmios ou se atende a critérios técnicos, como qualidade de imagem ou equipamentos utilizados. Esses fatores, que frequentemente guiam as seleções nos grandes festivais e o sistema de distribuição audiovisual no Brasil, não foram centrais nesse processo. O único critério relevante foi o dado da estreia do filme, independentemente do evento ou do local escolhido para sua realização.

    7 longas dirigidos por pessoas trans:

    • As mães do Derick, de Cássio Kelm (PR) (2020)
    • Intransitivo, de Gabz 404, Gustavo Deon, Lau Graef e Luka Machado (RS) (2021)
    • Sessão Bruta, de As Talavistas e ela.ltda (MG) (2022)
    • Sob a terra do encoberto, de Xan Marçal e Id Libra (PA) (2022)
    • Capim-navalha, de Michel Queiroz (GO) (2023)
    • Sofia foi, de Pedro Geraldo (SP) (2023)
    • Salão de Baile: This is Ballroom, de Juru e Vitã (RJ) (2024)

    *Noá Bonoba é atriz, roteirista, realizadora, preparadora de elenco, encenadora, dramaturga, pesquisadora doutoranda no PPGCOM- UFC, onde pesquisa as cinematografias trans e as possibilidades de reestruturação do audiovisual brasileiro através dos eixos: formação, realização, redistribuição de acessos e políticas afirmativas. Atualmente é Diretora de Descentralização e Pesquisa da Associação de Profissionais Trans do Audiovisual (APTA). É também mestra em Artes pelo PPGARTES-UFC e Licenciada em Teatro pelo IFCE.

    Crédito da foto de capa
    Salão de baile: Bruna Trindade

  • 19 universidades públicas já adotam cotas trans

    19 universidades públicas já adotam cotas trans

    No Brasil, 19 instituições públicas já adotam cotas para pessoas trans na graduação, com seis implementando a medida em 2023 e cinco em 2024. As políticas de cotas começaram em 2012 como ações afirmativas para reservar metade das vagas em universidades federais para estudantes de escolas públicas, EJA, pessoas pretas, pardas, indígenas e quilombolas, como tentativa de promover a equidade social no ensino superior.

    A Bahia se destaca com 60% das universidades públicas adotando políticas afirmativas na graduação, o estado foi o primeiro a implementar cotas para pessoas trans no ensino superior e, ainda hoje, é o que mais tem avanços no país.

    Início das cotas trans no Brasil

    A Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) foi a primeira a adotar as cotas trans no Brasil, em 2018. Fundada em 2013, as questões trans chegaram na UFSB através do Fórum Social que ocorreu em 2015. A universidade recebeu a visita de um homem trans da UFBA e a partir do encontro foi elaborado um documento chamado Carta de Itabuna, que apontava alguns furos na resolução do nome social e uma série de outras iniciativas importantes. 

    Segundo a atual reitora, Joana Guimarães, o que permitiu a medida ser adotada foi a falta de tradição. “Isso nos permitiu inovar em algumas questões porque não havia uma universidade com tradição, uma universidade consolidada, isso refletiu na política de cotas inéditas”, afirma Joana.

    Para garantir o sucesso das ações afirmativas destinadas a pessoas trans, a universidade criou algumas ações em parceria com a professora Isabella Silva Santos, o primeiro passo foi a criação de um curso preparatório para o Enem, o TRANS+, que durou dois anos e foi descontinuado por questões orçamentárias.

    De acordo com o pró-reitor Sandro Ferreira, o cursinho foi importante do ponto de vista simbólico, porém nenhum aluno que participou entrou na universidade. Em sua avaliação, o programa falhou no acompanhamento desses estudantes, evidenciando os múltiplos desafios de inserção das pessoas trans no ambiente universitário. Além dessa iniciativa, logo após a implementação das cotas, a UFSB organizou um curso de capacitação para docentes e técnicos, a fim de preparar o ambiente acadêmico para receber alunes trans. 

    Para o aluno de Direito da Universidade Estadual do sudoeste da Bahia,  Adriel Souza, as cotas específicas para pessoas trans são importantes para que elas não desistam da vida acadêmica. “No dia que fiz a matrícula, vi duas meninas e um rapaz trans, e isso me deu segurança. Saber que eu não estava sozinho, que outras pessoas trans estavam passando pela mesma situação que eu, correndo atrás do sonho de mudar suas vidas, foi muito importante”, relatou o estudante. 

    Permanência

    A Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) também criou, em 2021, o auxílio permanência para estudantes trans, se tornando uma das poucas universidades federais do Brasil com uma política de ajuda financeira destinada exclusivamente a esse público — no momento, 11 estudantes em vulnerabilidade social são contemplados com o valor de R$400 reais mensais.

    Na nossa visão, o auxílio aumentou o número de alunos que passaram a se reconhecer e se declarar, facilitou os processos de transição de gênero e contribuiu para a chegada de novos alunos e sucesso de outros. Muitos estudantes trans escolhem a UFSB por saber que nós oferecemos o auxílio afirma o pró-reitor da instituição, Sandro Ferreira. 

    Já a Universidade Federal da Bahia (UFBA) possui políticas de permanência, como o “auxílio acolhimento”, que garante R$700 reais mensais para estudantes trans contemplados e é essencial para a continuidade do ensino dessas pessoas. A Universidade do Estado da Bahia (UNEB) oferece algumas políticas de permanência, como residência universitária e modalidades de auxílio financeiro.

    No entanto, garantir que esses estudantes permaneçam e concluam seus cursos continua sendo um dos maiores obstáculos. Falta de apoio psicológico, auxílio financeiro e transfobia institucional são apontadas pelos estudantes como as grandes barreiras na conquista do diploma. 

    Existe também a barreira do acesso à informação como narra a estudante de pedagogia Yngrid Sofia Barbosa: “as cotas ainda são pouco divulgadas”. Ela comenta que só soube da ação afirmativa dois anos depois da mesma entrar em vigor, o que, junto com a burocracia, afasta os novos discentes.

    Em 2019,  Jheef Manoel, estudante na Universidade do Estado da Bahia  (UNEB), se reuniu com outros universitários para formar o coletivo Unetrans+, para discutir sobre o nome social, que não era respeitado. Mesmo após a retificação do nome, havia problemas no sistema. “Durante a pandemia, alguns professores viam o nome morto da pessoa e faziam a chamada com esse nome, mesmo sendo informados de que estava errado. Esse problema persistiu por muito tempo até ser resolvido”, relata Jheef. 

    Situações de desrespeito ao nome também afetaram a estudante Fayola, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), de maneiras que foram além do desgaste psicológico e emocional. Quando seu nome, já alterado, passou a ser substituído pelo nome morto no sistema, Fayola perdeu o acesso ao restaurante universitário e ao bilhete de transporte. Essa divergência no nome e a exposição constante do nome anterior persistiram por anos, expondo Fayola a diversas situações constrangedoras e exaustivas.

    Para os estudantes, garantir a permanência de pessoas trans passa pelo respeito ao nome, a garantia de auxílio financeiro e um programa de ajuda psicológica contínuo. 

     “Tenho uma preocupação com o suporte psicopedagógico, especialmente nos campi do interior. Muitas pessoas trans que conhecemos entraram na universidade vindas da prostituição e estamos pedindo apoio psicológico para essas pessoas. Como a UNEB cuidará delas? Seria importante discutir mais com os professores sobre melhorias no cuidado com esses corpos que estão entrando na universidade”, conclui Jheff.

    Universidades mais preparadas

    Na Universidade Federal do Sudoeste da Bahia (UESB), além da vaga ofertada, a comunidade acadêmica se preparou para receber esses novos estudantes. Na faculdade, eles oferecem apoio psicológico. Logo na matrícula, apresentam os canais e caminhos para denúncias e os professores também se posicionam contra a descriminação.

    Em 2023, a deputada federal Erika Hilton apresentou o projeto de lei 3109/23 no Congresso Nacional para estabelecer a reserva de 5% das vagas para pessoas trans e travestis em todas as universidades federais e demais instituições federais de ensino superior. Atualmente, o projeto está em análise na Câmara dos Deputados.

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    Contexto

    • A retificação é o processo pelo qual pessoas travestis e transexuais maiores de 18 anos podem alterar o nome e o marcador de gênero em seu registro civil, de forma simples e sem necessidade de autorização judicial, diretamente em qualquer cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais (RCPN) no Brasil.