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  • Transmídia é reconhecida em relatório da ONU sobre defensores de direitos humanos no Brasil

    Transmídia é reconhecida em relatório da ONU sobre defensores de direitos humanos no Brasil

    Na quarta-feira (05/03), a relatora especial da ONU sobre a situação de pessoas defensoras de direitos humanos, Mary Lawlor, apresentou o relatório de sua visita ao Brasil durante a 58ª Sessão Ordinária do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. Realizada no ano passado, a visita teve como objetivo avaliar a situação dos defensores de direitos humanos no país e foi nessa ocasião que o codiretor da Transmídia, Caê Vatiero, expôs o cenário de violência que pessoas comunicadoras, ativistas e defensoras trans e travestis enfrentam no país.

    A partir dessa contribuição, foi destacado no relatório que:

    Jornalistas de grupos minoritários enfrentam desafios interseccionais significativos. Jornalistas transgêneros informaram à Relatora Especial que foram atacados não apenas por suas reportagens, mas como resultado de sua identidade de gênero. Isso, assim como o número chocante de assassinatos de mulheres transgênero que são defensoras dos direitos humanos, reflete o que os defensores dos direitos humanos descreveram como a “recusa do corpo transgênero” em espaços públicos.

    Lawlor ouviu cerca de 130 defensores, incluindo indígenas, quilombolas, ribeirinhos, trabalhadores rurais e de outras comunidades tradicionais, defensores LGBTQIA+, defensoras negras, jornalistas e ativistas culturais e climáticos. Além de expor a realidade alarmante enfrentada pelos defensores de direitos humanos no Brasil, especialmente de populações marginalizadas, o relatório da ONU também apresentou recomendações ao Estado, cobrando medidas para garantir a segurança dessas pessoas. 

    Caê Vatiero, Diretor Institucional da Transmídia, ao lado da Relatora Especial da ONU Mary Lawlor

    Entre as principais orientações estão a implementação de políticas públicas eficazes para a proteção de defensores no Brasil, como a formalização via decreto do Plano Nacional de Proteção a Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, o fortalecimento de mecanismos de combate à violência, investigação e responsabilização dos autores que cometem crimes contra defensores.

    “Eu fui o primeiro jornalista trans que a Relatora da ONU conheceu, o que mostra como ainda somos invisibilizados. É urgente que pessoas comunicadoras e ativistas trans e travestis também sejam reconhecidas como defensoras de direitos humanos para que a gente possa acessar e cobrar a efetividade de políticas públicas que deveriam garantir nossa segurança. Quantos de nós sabem, por exemplo, da existência do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH)?”, afirma Vatiero.

  • 2ª Marcha Transmasculina de São Paulo (e do mundo) será realizada em 30 de março

    2ª Marcha Transmasculina de São Paulo (e do mundo) será realizada em 30 de março

    Ato reivindica trabalho, moradia, saúde, educação e dignidade para pessoas transmasculinas

    No dia 30 de março de 2025, a capital paulista receberá a 2ª Marcha Transmasculina de São Paulo, um ato político e cultural que reforça a luta por direitos fundamentais da população transmasculina no Brasil. Com o tema “Transmasculines na linha de frente: Nossa luta é por trabalho, moradia, saúde, educação e dignidade”, a mobilização terá início às 12h, em frente ao Museu de Arte de São Paulo (MASP), e seguirá em marcha até a Praça Dom José Gaspar.

    A organização do evento, assim como no ano passado, é do Instituto Brasileiro de Transmasculinidades – Núcleo São Paulo (IBRAT-SP), mas vem sendo construída de forma popular e coletiva. No dia 9 de fevereiro, uma assembleia popular reuniu mais de 100 pessoas para definir os rumos da Marcha deste ano, garantindo que as pautas e demandas do movimento sejam estabelecidas por aqueles que vivem essa realidade diariamente.

    Foto: Cauê Monteiro (@cauemonteiroo)

    “Ser transmasculino no Brasil é existir apesar de um CIStema que nos nega. Mas nós recusamos o apagamento. A Marcha é nosso grito coletivo, nossa afirmação de vida, cultura e resistência. Estamos aqui, organizados e em movimento, porque nossa existência é inegociável e a cidade vai nos ver, nos ouvir e sentir nossa força”, aponta Ravi Spreizner, vice-coordenador geral do IBRAT-SP. 

    Histórico e continuidade da luta

    A 1ª Marcha Transmasculina de São Paulo, realizada em 2024, marcou um momento inédito na história do movimento trans no Brasil e no mundo, levando mais de 10 mil pessoas para a Avenida Paulista para reivindicar visibilidade e direitos, de acordo com dados da PM e CET. Este ano, a Marcha reafirma seu compromisso com a luta pelo acesso digno a políticas públicas essenciais, como saúde, trabalho, moradia e educação.

    “Nossa existência não pode ser ignorada. Estamos na linha de frente da luta por direitos básicos que garantam nossa dignidade e nossa sobrevivência. A mobilização popular da Marcha reflete a urgência de políticas públicas efetivas para pessoas transmasculinas no Brasil”, afirma Kyem Ferreiro, coordenador geral do IBRAT-SP.

    IBRAT-SP: o protagonismo transmasculino na luta por direitos

    O IBRAT-SP é uma organização de referência na luta pelos direitos da população transmasculina, promovendo articulações políticas, ações de saúde pública e iniciativas culturais voltadas para o fortalecimento da comunidade. Fundado em 2012 e reestruturado em 2020, o instituto tem como objetivo principal garantir visibilidade e políticas públicas para transmasculines, articulando-se com movimentos sociais, ativistas e parlamentares.

    Além de sua atuação na Frente Parlamentar LGBTQIA+ e no Comitê Municipal de Saúde LGBTQI+, o IBRAT-SP promove eventos para a comunidade transmasculina, como o ECAT – Encontro de Crianças e Adolescentes Trans, Vozes da Terra – que em sua ultima edição abordou transmasculinidades em retomada indígena, e Nossos Corpos em Movimento, que abordou saúde mental e física para pessoas trans.

    A Marcha é fruto de um trabalho contínuo do movimento transmasculino, que há anos vem construindo espaços de luta e resistência. 

  • FONATRANS lança pesquisa histórica sobre a população trans negra no Brasil

    FONATRANS lança pesquisa histórica sobre a população trans negra no Brasil

    O Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negras e Negros (FONATRANS) fez o lançamento do relatório “Travestilidades Negras: Movimento Social, Ativismo e Políticas Públicas” durante a Marcha em Brasília, no dia 26 de janeiro de 2025, dando início a um debate nacional sobre as demandas da população trans negra. Agora, o relatório terá seu segundo lançamento no dia 7 de fevereiro, no Museu da Vida, na Fiocruz, Rio de Janeiro.

    O encontro será conduzido com o apoio da diretora Valdilea Veloso, do Instituto Nacional de Infectologia da Fiocruz, e organizado por Thaylla Varggas, travesti preta, assistente em pesquisa clínica no INI-Fiocruz, coordenadora do FONATRANS no Rio de Janeiro e delegada nacional de saúde pelo Projeto Equidade SUS.

    Idealizado pela presidenta Jovanna Cardoso, conhecida como Jovanna Baby, o estudo pioneiro marca um momento crucial para a visibilidade e os direitos da comunidade trans preta no Brasil. Liderança reconhecida na luta pelos direitos das pessoas trans e travestis desde os anos 1980, Jovanna conduziu a concepção da pesquisa, que traz à tona as realidades vividas por travestis e pessoas trans negras e negros. 

    O relatório aborda temas centrais como renda, escolaridade, saúde, empregabilidade e acesso a programas sociais, detalhando as desigualdades que impactam essa população. A pesquisa, desenvolvida pela pesquisadora travesti Jessica Rodrigues, da Fiocruz Piauí, vai além de identificar desafios: ela busca fundamentar políticas públicas inclusivas e transformadoras. 

    A apresentação do relatório “Travestilidades Negras” reforça a urgência de construir um Brasil mais inclusivo, que valorize a diversidade e garanta a dignidade para todas as pessoas. Com dados concretos, o relatório fornece subsídios para a promoção da igualdade, justiça social e garantia de direitos humanos para pessoas trans pretas em todo o país.

    PROGAMAÇÃO:

    • 08:30 – 09:00:
      • Recepção e Credenciamento + COFFEBREAK
    • 09:00 – 09:30:
      • Abertura oficial + Apresentação institucional do INi e FONATRANS RJ
    • 09:30 – 11:45:
      • Primeira mesa: Panorama das pesquisas e Contexto histórico (Histórias, desafios e potências)
    • 11:45 – 12:00:
      • Intervalo
    • 12:00 – 13:00:
      • Apresentação Cultural: BALLROOM
    • 13:00 – 14:00:
      • Almoço
    • 14:00 – 15:45:
      • Segunda mesa: Políticas públicas e Ativismo social
    • 15:45 – 16:00:
      • Intervalo
    • 16:00 – 16:40:
      • Homenagens (Entrega de troféus, moções para personalidades e aliades que contribuem com o fortalecimento do movimento trans e travestis negras e negros no Brasil)
    • 16:40 – 17:00:
      • Encerramento
  • Casa 1 realiza VIII Semana da Visibilidade Trans com tema “Nas Tramas do Corpo”

    Casa 1 realiza VIII Semana da Visibilidade Trans com tema “Nas Tramas do Corpo”

    Entre os dias 2 a 8 de fevereiro, a Casa 1, centro de cultura e acolhimento de pessoas LGBTQIAPN+, realizará a oitava edição da Semana de Visibilidade Trans e Travesti com o tema “Nas Tramas do Corpo”. Sediado no Galpão da organização, no centro da cidade de São Paulo, o evento marca o início da programação do Centro Cultural e tem como objetivo evidenciar os talentos, práticas, histórias e lutas de corpos historicamente marginalizados.

    A edição deste ano contará com shows, rodas de conversa, café literário, oficinas e feira de pequenes produtores sob a curadoria do escritor, especialista em Mídia, Informação e Cultura e produtor de conteúdo, Jonas Maria. Ele também coordena o Texto Junkies, clube de leitura com foco na leitura e discussão de obras trans, finalista do Prêmio Jabuti na categoria de Fomento à Leitura.

    “Propus que a ideia do corpo fosse central esse ano, visto que o corpo não se reduz a biologia, mas é sobretudo moldado e atravessado por questões políticas, sociais e culturais. O corpo está sempre em disputa. Falar sobre o corpo é falar sobre identidade, autonomia, pertencimento e cidadania”, comenta o curador.

    Entre as pessoas participantes do evento estão Catto, cantora e compositora, que realizará o show de abertura, além de outras figuras importantes para o cenário trans que vão compor os debates:  Neon Cunha, Rafa Brunelli, Juvi Chadas, Vitorelo, Ary, Barbit, Tito e Gabriel Lodi. Todas as atividades são gratuitas e buscam promover um espaço de convivência seguro para pessoas trans e travestis.

    Confira a programação:
    02/02 – Show de abertura com Catto
    03/02 – Mesa Corpos fora da curva: transexualidade e interseccionalidade
    04/02 – Oficina de Cozinha e Café literário: O corpo trans no quadrinho nacional
    06/02 – Mesa Trans marombeiros: conversas sobre disforia e pressão estética
    08/02 – Feira de Pequenes Produtores com JAM da House of Zion

    Endereço: Galpão Casa 1 – Rua Adoniran Barbosa, 151, Bela Vista

    Sobre a Casa 1

    Fundada em 2017, a Casa 1 é uma ONG de referência na oferta de serviços de atendimento social para pessoas que foram expulsas de casa por suas orientações afetivas sexuais e identidade de gênero. Conheça a seguir os serviços oferecidos pela organização:

    República de Acolhida

    A residência tem como foco a promoção de autonomia e organização de jovens que, de uma hora para outra, se vêem sem um teto. Funcionando como casa de passagem, o tempo de estadia é de quatro meses. Neste período, são trabalhadas questões de saúde clínica, mental, educação e empregabilidade.

    Clínica Social 

    A saúde mental também é ponto fundamental e, por isso, em setembro de 2018, o trabalho dos e das profissionais de saúde se expandiu e passou a atender o público, além de seguir atuando com os residentes. De plantões de escuta a atendimentos psicoterápicos diversos, a Clíncia Social atende à demanda de cuidados com a saúde mental da comunidade LGBT+.

    Centro Cultural

    Em paralelo, o centro cultural Casa 1 conta com uma programação recheada de atividades nas mais diversas áreas. Com atendimento universalizado, aberto para todos e todas, o espaço tem o propósito de estabelecer uma relação com o entorno e promover uma programação totalmente gratuita, que se aproxima da população que mora na região e também explora, além das questões LGBT+, recortes de raça e classe.

    Para seu funcionamento constante, a Casa 1 aceita diversos tipos de doações de forma recorrente. Você pode fazer a sua contribuição acessando aqui.

    Créditos da foto de capa: Flávio Maravilha

  • Mapeando a cinematografia: 7 longas dirigidos por pessoas trans

    Mapeando a cinematografia: 7 longas dirigidos por pessoas trans

    Para além da pauta sobre a contratação de atores e atrizes trans e travestis no campo da interpretação, que ganha destaque sempre que surge uma denúncia sobre o “transfake” — termo usado para se referir a filmes e séries que escalam atores e atrizes cisgêneros para interpretar pessoas trans — é necessário ampliar esse debate para a composição das equipes e para o cerne da criação, o que envolve as políticas culturais estratégicas de captação de recursos por meio de editais as práticas de negociação e a consciência do inegociável. Somente dessa maneira é que conseguiremos produzir filmes que expandem os universos desgastados das narrativas trans no cinema. 

    Desenvolvendo uma pesquisa de doutorado com foco nas cinematografias trans, Noá Bonoba* mapeou sete filmes dirigidos por pessoas trans. O mapeamento parte de um debate sobre a redistribuição de acessos e das políticas afirmativas como estratégia de reparação histórica pelas ausências de pessoas trans na cinematografia brasileira e no mercado de trabalho audiovisual.

    Realizar um mapeamento da nossa cinematografia é, na verdade, construir história e registro, visibilizando e respondendo aos apagamentos das nossas produções diante de diversos fatores que deslegitimam suas existências. O elemento discursivo que orientou esse mapeamento foi a tentativa de agir na reestruturação dos critérios do que é considerado um filme. Em diálogos com diversos realizadores trans, constatamos que a forma como o mercado audiovisual se organiza tende a nos excluir.

    As oportunidades para pessoas trans e travestis sempre foram escassas, e a própria inserção da comunidade T no mercado de trabalho é atravessada por preconceitos e barreiras, que vão desde o âmbito familiar até o ambiente escolar, refletindo em sequelas ao longo da vida adulta. Essa relação de rejeição e negação de pessoas trans e travestis nos espaços de trabalho resulta em oportunidades limitadas de formação e acesso ao conhecimento hegemônico, levando a comunidade T ao desemprego e à precarização de suas vidas.

    Entre os desafios enfrentados pela produção audiovisual trans, destacam-se:

    1. Dificuldade de acesso a recursos para a realização de filmes.
    2. Dificuldade de seleção em festivais.

    Cientes desses obstáculos, o mapeamento foi realizado com critérios que subvertem as lógicas do mercado, que normalmente ditam os parâmetros qualitativos de uma obra cinematográfica. Nesse mapeamento, não importa se o filme foi selecionado em festivais, se ganhou prêmios ou se atende a critérios técnicos, como qualidade de imagem ou equipamentos utilizados. Esses fatores, que frequentemente guiam as seleções nos grandes festivais e o sistema de distribuição audiovisual no Brasil, não foram centrais nesse processo. O único critério relevante foi o dado da estreia do filme, independentemente do evento ou do local escolhido para sua realização.

    7 longas dirigidos por pessoas trans:

    • As mães do Derick, de Cássio Kelm (PR) (2020)
    • Intransitivo, de Gabz 404, Gustavo Deon, Lau Graef e Luka Machado (RS) (2021)
    • Sessão Bruta, de As Talavistas e ela.ltda (MG) (2022)
    • Sob a terra do encoberto, de Xan Marçal e Id Libra (PA) (2022)
    • Capim-navalha, de Michel Queiroz (GO) (2023)
    • Sofia foi, de Pedro Geraldo (SP) (2023)
    • Salão de Baile: This is Ballroom, de Juru e Vitã (RJ) (2024)

    *Noá Bonoba é atriz, roteirista, realizadora, preparadora de elenco, encenadora, dramaturga, pesquisadora doutoranda no PPGCOM- UFC, onde pesquisa as cinematografias trans e as possibilidades de reestruturação do audiovisual brasileiro através dos eixos: formação, realização, redistribuição de acessos e políticas afirmativas. Atualmente é Diretora de Descentralização e Pesquisa da Associação de Profissionais Trans do Audiovisual (APTA). É também mestra em Artes pelo PPGARTES-UFC e Licenciada em Teatro pelo IFCE.

    Crédito da foto de capa
    Salão de baile: Bruna Trindade

  • “Mudei de carreira para transicionar a saúde”

    “Mudei de carreira para transicionar a saúde”

    Estou sentado em uma sala de espera. Minhas mãos suam, meu coração dispara, e meu pé bate insistentemente no chão. Chamam um número, dois, três, quatro… Lá no fundo do corredor, ouço um grito: ‘Senhora M… Levanto apressado, ainda em jejum, e digo: ‘Eu já mudei os documentos, o nome certo está aqui, olha!’

    As crises de ansiedade me acompanham, seja nas salas de espera dos laboratórios, nos consultórios, na fila da UPA, no postinho ou em qualquer estabelecimento de saúde. Existe algo que conecta todas as pessoas trans, e não é aquela velha narrativa sobre odiar o próprio corpo. É uma experiência compartilhada que todes nós já vivemos ou, infelizmente, viveremos: o desconforto, o receio e o medo de precisar ir ao médico.

    Foi essa realidade que, após oito anos como jornalista, me levou a prestar o ENEM novamente. Me chamo Liel Marin e em outubro deste ano comecei minha jornada como estudante de medicina na Universidade Federal do Oeste da Bahia, movido pelo sonho de proporcionar, no futuro, mais saúde e acesso para a população trans.

    Afinal, quando falamos de saúde para a população trans, do que estamos falando?

    A OMS define saúde como um “estado dinâmico de bem-estar completo”, mas, para a população trans brasileira, esse ideal parece cada vez mais inatingível diante dos inúmeros desafios cotidianos. Segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), somente 4% das pessoas trans e travestis estão inseridas no mercado de trabalho formal, o que compromete o acesso a uma renda fixa e, consequentemente, a condições básicas de vida.

    “Quando a gente pensa em saúde, a gente pensa em medicina, mas ela vai para muito além, para ter saúde é preciso ter trabalho, ter renda, ter acesso. É preciso pensar nas experiências de saúde da transgeneridade a partir desses marcadores”, pontua Pisci Bruja, antropóloga e especialista em saúde coletiva HIV/AIDS.

    Essa exclusão social e econômica está diretamente ligada à ausência de políticas públicas adequadas, fator apontado pelo Observatório Anderson Herzer como determinante no aumento dos casos de suicídio entre transmasculines. Em 2023, o relatório “Mortes e Violências Contra as Transmasculinidades” revelou que 71,9% dos respondentes relataram ter pensado e/ou tentado cometer suicídio, evidenciando a gravidade da situação. 

    Além disso, mesmo quando conseguimos acessar os estabelecimentos de saúde, as pessoas trans enfrentam inúmeras barreiras.

    “Existe uma relação muito radical quando eles leem meu prontuário, olham o meu nome e veem aquela pessoa que está na frente deles. Eles não sabem bem como lidar com isso, porque já existe todo um número de qualidades que eles preenchem sem a minha permissão, sem a minha vontade em relação a mim. Acho que nossa disputa na área da saúde é uma disputa de ocupação de existências”, relata Dana Eleanor Galba Fitipaldi, mestranda em saúde pública e educadora.

    Embora a luta dos movimentos sociais tenha garantido avanços, como o Processo Transexualizador no SUS em 2008, ainda há um longo caminho a percorrer. O SUS, por exemplo, começou recentemente a permitir que pessoas trans retificadas realizem exames compatíveis com suas necessidades. Porém, a falta de profissionais capacitados para lidar com as especificidades dessa população faz com que o direito à saúde muitas vezes permaneça no papel, como descreve Pisci Bruja:

    “Pensar num cuidado integral é pensar que existem múltiplas necessidades, que um corpo trans não é um corpo que vai necessariamente precisar somente de acesso ao hormônio ou de prep, ou de tratamento para HIV. A gente é um corpo, tem dor de cabeça, tem dor de barriga, que pode desenvolver câncer, inclusive.”

    Nesse contexto, o médico psiquiatra Dr. Camilo Miranda, durante o lançamento da Cartilha da Saúde da População Trans no DENEM, destacou a relevância dos centros de referência para a população trans, como o Janaína Lima, em São Paulo. Porém, ele foi além, ao reforçar a necessidade de que todos os estabelecimentos de saúde sejam espaços capazes de atender, respeitar e acolher pessoas trans.

    Um futuro verdadeiramente comprometido com a saúde dessa população será aquele em que todos os profissionais de saúde estejam preparados para lidar com a diversidade e respeitar a existência das pessoas trans, garantindo cuidados integrais e humanizados.

    Caminhos iniciais para promover essa transformação

    “Uma das coisas fundamentais para nós começarmos a mudança é pensar na linguagem. Acho que nossa disputa na área da saúde é uma disputa de ocupação de existências possíveis. É sobre produção de vida e a cisgeneridade geralmente trabalha só com produção de morte, especialmente da nossa, e especialmente da população preta”, relata  Fittipaldi.

    A linguagem, portanto, é uma ferramenta poderosa para criar um mundo onde corporalidades e vivências trans sejam plenamente reconhecidas. Quando falamos em pessoas que gestam, evidenciamos que não apenas mulheres cisgêneras têm essa capacidade. Ao evidenciar a existência da cisgeneridade, inserimos no imaginário a presença de corpos masculinos com vulva e corpos femininos com pênis. E, ao abordar as não-binariedades, deslocamos o pensamento médico fixado exclusivamente no genital do paciente.

    Da mesma forma, respeitar os pronomes de um paciente não é um simples capricho, mas uma expressão de cuidado e comprometimento com a saúde daquela pessoa. O pronome não é apenas uma palavra: é o reconhecimento de sua identidade como indivíduo e, consequentemente, uma garantia de que seu direito à saúde será respeitado.

    “O cenário ideal é que a gente construa um processo amplo e contínuo de capacitação para que a gente faça uma transformação cultural. Nós precisamos transicionar a saúde. Se a gente não conseguir fazer isso nós não vamos conseguir avançar”, finaliza Pisci Bruja.

    Contexto 

    Processo Transexualizador: é um conjunto de procedimentos e assistências prestadas à comunidade trans no Brasil. 

  • Por um jornalismo que rompa com a transfobia

    Por um jornalismo que rompa com a transfobia

    Esta é a primeira coluna que escrevo. Chega a ser engraçado finalmente ter um espaço para opinar em um portal de notícias mesmo sendo um jornalista. Só que um jornalista trans.

    “Você precisa botar a sua opinião pra fora” — foi com esse empurrão que minha grande amiga e cofundadora da Transmídia, Sanara Santos, me deu que eu cheguei aqui nessas primeiras linhas. Eu nem sabia que seria tão importante e que me renderia tanta autonomia verbalizar palavras que há tanto habitavam em mim. 

    A transição me tirou um pouco da coragem de escrever, é preciso admitir dores também. Principalmente escrever sobre aquilo que penso, opinar, abrir a boca mesmo. É muito comum vermos pessoas transmasculinas se dobrando para dentro, se enfiando quase que em um eu-buraco. É como se o peso de nossas palavras não ressoassem em nenhum ouvido por aí. É quase que gritar em um lugar que faz eco e preferem não te ouvir. 

    Me parece que escrever também é sobre exercer poder. E o que tenho visto no jornalismo brasileiro é um poder bem certeiro, que tem a mesma cara, gênero, raça e sexualidade. É um jornalismo que ainda não nos permite viver com dignidade e não nos entendeu enquanto população. Ou melhor, pessoas com direito à vida. Ainda que estejamos há tanto tempo aqui, esse poder não nos foi dado. 

    É só para pensar: quantas vezes a opinião de uma pessoa trans já te atravessou? Quantas colunas de pessoas trans você já se deparou no seu feed? Aliás, quantos textos de pessoas trans você já leu? 

    O jornalismo é um baú antigo que está bambeando, daqueles que não cabe mais nada e insistem em jogar coisas dentro. Se a gente buscar bem lá no fundo dele, numa tentativa de traçar uma linha do tempo, não nos surpreenderia encontrar as mesmas notícias sendo reproduzidas até hoje sobre nós, corpos trans. “A menina que quer ser homem”, Jornal do Recife em 1938; “Em São Paulo, 15 travestis morrem com tiro na cabeça”, O Globo em 1993; “Suplente de vereadora, cantora trans é assassinada de forma cruel no Mato Grosso”, Estadão em 2024. 

    timeline do jornalismoou melhor, o DEADline mesmo — porque é só sobre morte que sabem falar da gente — segue sendo a mesma há muitos anos. Fica a dúvida, como se reconhecer no outro, se sentir representado ou como acessar informações de qualidade sobre a população trans se a “dita verdade dos fatos” só afirma incansavelmente que a violência é a única história que nos cabe? Critério algum de notícia tem o direito de nos matar todos os dias. 

    É por esperançar muito na possibilidade de criar um jornalismo que rompa com a transfobia que eu estou aqui. Enquanto cofundador e diretor institucional da Transmídia, posso afirmar com convicção: o jornalismo que estamos fazendo tem como objetivo primordial impactar as milhares de vidas trans em seu cotidiano. Falar sobre cultura, economia, alimentação, moradia, saúde, educação, lazer, empreendedorismo, arte, política, direitos humanos e tantos outros assuntos que atravessam as nossas vivências do dia a dia. 

    A Transmídia nasce de um sonho coletivo. Somos o primeiro site de notícias a cobrir com profundidade as pautas trans, com uma equipe inteira transcentrada, que cansou de ter uma narrativa única sendo reiterada pela mídia brasileira. Chegamos para contar nossas histórias e mostrar que há muito a ser dito. É um sonho que foi regado por muitas mãos até que neste ano a gente pudesse estar aqui. Aliás, que eu pudesse estar aqui escrevendo minha primeira coluna. 

    É bonito fazer história. E eu não poderia estar melhor acompanhado. Minha primeira coluna é uma tentativa de aterrar em mim e em vocês um sonho que já se tornou realidade. Também é um espaço para agradecer quem está sonhando junto comigo — Sanara, Hela e Agatha. Esperamos honrar, com persistência, força e vitórias, a nossa memória. 

    É só o começo.

  • Além da jornada 6×1: o mercado de trabalho precarizado e as vivências trans

    Além da jornada 6×1: o mercado de trabalho precarizado e as vivências trans

    Nas últimas semanas, a luta pelo fim da jornada 6×1 ganhou força nas redes sociais. A proposta, impulsionada pelo movimento “Vida Além do Trabalho” (VAT), liderado por Rick Azevedo, vereador do PSOL no Rio de Janeiro, foi levada à deputada federal Erika Hilton (PSOL), que apresentou a iniciativa como uma emenda parlamentar para reduzir a carga horária semanal dos trabalhadores para 36 horas.

    O protagonismo de Erika Hilton tem reforçado o papel das pessoas trans e travestis na política, evidenciando sua contribuição nas lutas por melhores condições de trabalho e direitos. “Erika liderar uma proposta que erradica a escala 6×1 é fundamental para a comunidade trans. Ela traz uma agenda de direitos trabalhistas e promove uma nova consciência de classe, colocando nossa comunidade no centro do debate”, afirma Caia Maria, pesquisadora e conselheira do Centro de Pesquisa Transfeminista.

    Para a pesquisadora, a luta pelo fim da escala 6×1 é mais do que uma reivindicação trabalhista: é um passo essencial para combater a exclusão estrutural e construir um mercado de trabalho mais justo e inclusivo para a comunidade trans e travesti.

    O texto inicial da PEC conta com 230 assinaturas e aguarda ser protocolado no próximo ano. Após isso, será analisado na fase de admissibilidade, etapa que verifica se a proposta não fere cláusulas pétreas da Constituição. Sendo aprovada, segue para uma Comissão Especial, onde pode ser revisada antes de ser votada no plenário da Câmara. Para aprovação, são necessários votos favoráveis de 3/5 dos deputados (308 votos) em dois turnos. Com a aprovação na Câmara, o texto segue para o Senado e, se aprovado sem alterações, é promulgado como emenda constitucional.

    O que é a Escala 6×1?

    A Escala 6×1, vigente há 81 anos no Brasil, prevê seis dias consecutivos de trabalho com um dia de descanso, totalizando, em média, 44 horas semanais. Por exemplo, um trabalhador pode ter uma folga por semana aos domingos ou em outro dia, dependendo do acordo com a empresa.

    Os desafios de pessoas trans no mercado de trabalho

    No Brasil, uma das maiores causas de afastamento por auxílio-doença, segundo dados da Previdência Social, está relacionada a transtornos mentais, sendo depressão e ansiedade os mais comuns. Muitas vezes, essas condições estão ligadas a modelos de trabalho precarizados, com vínculos frágeis, carga horária excessiva, no caso de pessoas trans e travestis, o preconceito como agravante.

    “Sinto que estou em uma escala 7×0, sem descanso real e sempre cansado. Em São Paulo, tudo é corrido: trabalhamos para pagar as contas, mas falta energia para lazer”, relata Kairos Castro, pessoa não binária trans masculina, escritor, poeta e coordenador cultural do IBRAT-SP.

    Kairos trabalha atualmente em uma biblioteca, mas já enfrentou discriminação devido à sua identidade de gênero em empregos anteriores, que não respeitavam seus pronomes ou ofereciam um ambiente inclusivo. Esse cenário agravou o desgaste físico e emocional. “Antes eu trabalhava em escritório, onde me assumi trans no ambiente de trabalho e, por anos, não fui respeitado. Passava cinco horas ou mais dentro do ônibus, somando ida e volta, mas tinha finais de semana livres, o que permitia algum lazer. Hoje, meu único dia de folga é usado para resolver questões pessoais ou realizar outros trabalhos. Isso torna o lazer quase impossível”, acrescenta.

    Outro fator é a racialidade: o peso de ser uma pessoa negra em ambientes pouco racializados, em que pesquisas mostram que pessoas negras são maioria na escala 6×1 e recebem os menores salários. Elu destaca que ser a única pessoa trans em alguns espaços também gera um clima de solidão e impotência.

    Sem tempo para lazer ou para outras tarefas do dia a dia, Kairos ainda recorre a outros trabalhos, como freelancer em eventos e trabalhos artísticos, para complementar a renda no final do mês. Isso evidencia que, mesmo com a “estabilidade” da carteira assinada, para sobreviver, elu ainda trabalha nos únicos dias de descanso.

    De acordo com dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), apenas 4% das pessoas trans têm carteira assinada, enquanto 90% recorrem à prostituição devido à exclusão do mercado formal de trabalho.

    A pesquisadora Caia Maria também destaca os desafios impostos pela reforma trabalhista de 2017, sancionada pelo ex-presidente Michel Temer, que precarizou sindicatos e ampliou a terceirização. “Como falar de aposentadoria, se não há perspectiva de envelhecimento? Como discutir sindicalização, se o trabalho sexual sequer é reconhecido? E como lutar por direitos trabalhistas, se a maioria nunca teve carteira assinada?”, questiona.

    O que diz a proposta de diminuição de carga de trabalho? 

    A proposta busca alterar o texto do inciso XII do artigo 7 da Constituição federal.

    Artigo atual

    O art. 7º , XIII , da CF/88 , estabelece que a duração normal do trabalho não poderá ser superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais. Logo, devem ser consideradas como horas extras aquelas que excederem a 8ª hora diária e não apenas as que ultrapassarem a 44ª hora semanal.

    Nova proposta 

    Art.7º, inciso XIII: “duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e trinta e seis horas semanais, com jornada de trabalho de quatro dias por semana, facultada a compensação de horários e a redução de jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho”.

  • Acué: explicando economia para pessoas trans

    Acué: explicando economia para pessoas trans

    A relação entre economia e pessoas trans vai além das questões tradicionais de acesso ao mercado de trabalho, renda e qualidade de vida. Cercada pela exclusão social, a população trans enfrenta desafios específicos que impactam diretamente sua estabilidade financeira e segurança econômica.

    Termos como Selic, IPCA e INPC, que podem parecer distantes do cotidiano, têm impactos profundos nas nossas vidas, amplificando ou não a desigualdades e criando barreiras para estabilidade financeira. Por isso, a Transmídia traz até você o “bê-a-bá” do acué, que simplifica termos do “economiques” e como a mesma faz parte do dia a dia de pessoas trans, travestis e não-binárias.

    Traduzindo conceitos que fazem parte do nosso dia a dia. 

    Quando falamos sobre o crescimento econômico do país, a Selic — a taxa básica de juros — tem um papel central. Quando essa taxa está alta, aumenta a inflação, o que reduz o poder de compra, ou seja, é necessário mais dinheiro para adquirir os mesmos produtos.

    Um exemplo, se uma cesta básica custava R$100 no ano passado e hoje custa R$120, isso é um reflexo da inflação. Para pessoas trans que já enfrentam exclusão do mercado de trabalho formal, o aumento da Selic pode significar maior endividamento e dificuldades para manter a estabilidade financeira, pois com o aumento da Selic, também há um aumento do crédito, tornando o acesso a empréstimos ou financiamentos habitacionais mais difícil. 

    Na prática, isso significa que se antes era possível pegar um empréstimo e pagar R$50 de juros, agora pode ser que tenha que pagar R$70 ou R$100 pelos mesmos R$1.000 emprestados pelos bancos. 

    • Uma pesquisa realizada pelo Vagas.com, empresa de recrutamento e seleção em janeiro deste ano mostrou que pessoas trans recebem, em média, 17% a menos que pessoas cisgênero (26%). Tais números mostram a desvalorização e marginalização do poder de compra. 

    “A inflação é uma coisa  macroeconômica, mas também tem uma reflexão microeconômica que está muito perto da vida da gente, como tratamento hormonal e o preço dos hormônios” Nina Pedrosa.

    Nina Pedrosa, é engenheira e economista, especialista em bens intangíveis e Conselheira da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), e afirma que o aumento da inflação sobre esse produtos fazem com que muitas pessoas trans busquem medicações mais baratas e perigosas, como é o exemplo da Perlutan, para Mulheres Trans e Travestis. “E não só nos hormônios, como também no acesso à saúde, à cirurgias e outros aspectos”, completa Pedrosa.

    Além da Selic, temos o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) — índice que mede a inflação no Brasil. E o chamado Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que mede como a inflação impacta a faixa de renda das famílias que ganham de 01 a 05 salários mínimos. A comunidade trans, em grande parte situada na base da pirâmide econômica, sente esses aumentos de forma desproporcional, principalmente em itens básicos como transporte e alimentação. Quando os preços sobem, o custo de vida aumenta.

    “No final das contas, isso amplia esse cenário de desigualdade e esses grupos (de pessoas trans), acabam não conseguindo pensar em planejamento financeiro. Como comprar ou guardar o dinheiro para depois investir”, comenta a coordenadora de projetos do Instituto Febraban de Educação, professora universitária e CEO da Transformasie – Inteligência Financeira Izabel Rocha.

    Educação financeira para pessoas trans

    Na visão do economista de formação, especialista em Renda Fixa dá Me Poupe! e criador da Bixa Rica, Gean Duarte, a educação financeira auxilia na construção de outros cenários importantes que valorizem pessoas LGBTQIAPN+, em especial a população trans.

    “É fundamental que existam iniciativas específicas para esse público e também políticas voltadas especificamente para esse cenário. É aí que entra a educação financeira para ensinar as pessoas a gerirem os seus recursos. Além do investimento, o empreendedorismo para essas pessoas seria interessante. Se existem várias empresas grandes, a distribuição de renda é menor, mas a gente tem vários pequenos empreendedores, temos uma distribuição de renda maior”, afirma Duarte.

    Dicas para Iniciar a Educação Financeira

    Aqui estão algumas dicas práticas e iniciais para ajudar pessoas trans a ganharem mais independência econômica:

    1. Mapeie os gastos e orçamento pessoal: Anote todas as entradas e saídas de dinheiro. Isso ajuda a visualizar os gastos, identificar excessos e organizar as finanças em categorias como moradia, alimentação, saúde e lazer.
    2. Crie uma reserva de emergência: Uma reserva de emergência é crucial. O ideal é guardar uma parte da renda, mesmo que seja uma quantia pequena por mês, até atingir um valor adequado, que cubra as despesas básicas. 
    1. Evite dívidas caras: Cartões de crédito e empréstimos com juros altos podem ser armadilhas para quem está começando a organizar suas finanças. Se precisar de crédito, busque opções com taxas mais baixas e evite parcelamentos que comprometem mais de 20% da renda.
    2. Estabeleça metas: Defina metas de curto, médio e longo prazo, como juntar dinheiro para um curso, um tratamento médico ou um fundo de aposentadoria. Ao ter metas claras, fica mais fácil se organizar para alcançá-las, economizando e fazendo escolhas financeiras mais conscientes.
    3. Busque conhecimento sobre finanças: Existem cursos gratuitos online sobre educação financeira oferecidos por instituições como a B3 e a Fundação Bradesco. Aprender mais sobre poupança, investimentos e juros pode abrir novas possibilidades para a gestão financeira.

    Essas dicas podem ajudar pessoas trans a começarem a se educar financeiramente, empoderando-se para tomar melhores decisões e buscando mais segurança e autonomia no dia a dia.

    Contexto

    • Acué vem do dialeto Pajubá, comumente usado pela comunidade LGBT e significa dinheiro. 
    • Perlutan é um anticoncepcional injetável que contém hormônios e é usado para prevenir a gravidez. Também pode ser indicado para tratar problemas hormonais ou irregularidades menstruais. Usado por mulheres trans e travestis no processo de hormonização, muitas vezes sem recomendação médica.

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  • Crianças trans como alvo: legislação existente não conseguiu barrar transfobia nas eleições

    Crianças trans como alvo: legislação existente não conseguiu barrar transfobia nas eleições

    As eleições municipais de 2024 foram marcadas pela transfobia. Em todo o país, candidaturas concorrendo à vereança e prefeitura investiram em campanhas que atacavam os direitos da população trans, em especial, de crianças trans. Frases como “crianças trans não existem”, “deixem nossas crianças em paz” ou “isso é um crime contra a infância”, divulgadas massivamente em redes sociais ou até mesmo em outdoors espalhados pelos municípios, fizeram da pauta o “kit gay” de 2024. 

    Ainda que desde 2019 o Superior Tribunal Federal (STF) tenha reconhecido a transfobia como crime e a Justiça Eleitoral vede o uso de discursos discriminatórios durante as campanhas eleitorais, profissionais ouvidos pelo Nonada Jornalismo e pela Transmídia afirmaram que a legislação vigente não foi suficiente para barrar a transfobia nas eleições. 

    Embora o uso da pauta de crianças trans não seja uma estratégia eleitoral nova, usada com objetivo de gerar pânico moral e disseminar desinformação, organizações que defendem os direitos de pessoas trans já previam que esse tema seria intensificado nas eleições municipais deste ano. Em março, a ONG Minha Criança Trans, junto com outras 18 organizações, enviou um ofício ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) solicitando que o órgão proibisse o uso de notícias falsas, pronunciamentos e conteúdos transfóbicos contra crianças e adolescentes trans nas campanhas eleitorais.

    Em agosto, cinco meses depois, o TSE respondeu o pedido da organização afirmando que “entende que o aparato normativo em vigor revela-se suficiente para cobrir eventuais manifestações discriminatórias contra esse grupo de pessoas no contexto das campanhas eleitorais deste ano”. 

    Além disso, o órgão reforçou o uso dos aplicativos Pardal e do Sistema de Alertas de Desinformação Eleitoral – SIADE para o recebimento de denúncias e sugeriu a expedição de comunicação aos Tribunais Regionais Eleitorais (TRE) para dar publicidade ao pedido da ONG e o “encaminhamento ao Centro Integrado de Enfrentamento à Desinformação (CIEDDE) para acompanhar possíveis manifestações discriminatórias durante as eleições contra pessoas trans e toda a comunidade LGBTQIAPN+”.   

    Apesar dos esforços antecipados para impedi-la, a transfobia esteve presente nas campanhas. Em agosto, a então candidata à vereança da capital paulista e mestra em Ciências Sociais Carolina Iara (PSOL) entrou com uma representação no Tribunal Regional Eleitoral (TRE-SP) contra Lucas Pavanato (PL), vereador mais votado do país, com denúncia por propaganda irregular, discriminatória e transfóbica. Os panfletos distribuídos por Pavanato continham promessas eleitorais com ataques diretos aos direitos da população e de crianças trans.

    A denúncia foi embasada pela resolução nº 23.610/2019 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que proíbe a veiculação de “preconceitos de origem, etnia, raça, sexo, cor, idade, religiosidade, orientação sexual, identidade de gênero ou contra pessoas com deficiência”. O TRE-SP, por sua vez, respondeu negativamente, afirmando que o candidato estava exercendo sua liberdade de expressão, e permitindo que ele tivesse direito de resposta.

    Em 2022, Carol Iara foi eleita com aproximadamente 250 mil votos junto à bancada feminista e é considerada um dos principais nomes pela defesa dos direitos LGBTQIAPN+ em São Paulo. Para a socióloga, há uma conjuntura política que coloca as vidas de pessoas trans, com o foco nas crianças, como alvo. “Faz parte da agenda internacional de institucionalização da LGBTFobia, mas principalmente da transfobia, que tem se utilizado dessa pauta como a principal para atrair não somente os votos dos conservadores de extrema-direita, mas também dos religiosos que não são, necessariamente, de extrema-direita.”

    Os ataques não começaram no período eleitoral. Em 2023, o deputado federal Nikolas Ferreira vestia uma peruca, proferindo ofensas transfóbicas no púlpito do Congresso Nacional. O episódio se tornou um marco da falta de investigação de julgamento de políticos brasileiros que se utilizam de ataques discriminatórios em instituições públicas. “Ele fez um ataque direto às pessoas trans e nada aconteceu com ele, então, não é uma questão apenas do TSE ou TRE como coniventes, mas é toda uma estrutura, uma gama de instituições”, explica Carol Iara.

    Para Fernando Neisser, advogado especialista em direito eleitoral, não há uma prerrogativa do TSE e da legislação eleitoral que proíba um tópico específico de ser objeto de discussão nas eleições. “O que a gente não quer e não aceita é uma abordagem odiosa desse tema [de crianças trans]. Isso tem que ser visto caso a caso e quem vai fazer isso é a primeira instância, é o juiz da zona eleitoral respectiva. Talvez o cerne seja conseguir que o judiciário absorva um conceito de transfobia mais abrangente, que gere uma proteção maior”, afirma.

    A socióloga Carol Iara explica que utilizar a pauta trans como capital político é uma estratégia consolidada, em todas as regiões do país. “Não se trata apenas de gostar ou não gostar, de ser preconceituoso ou não com pessoas trans. É sobre entender que a nossa existência está dentro de um tabuleiro político enorme, muito estratégico. Então, digamos assim, nós nos transformamos em ‘joias da coroa’, peças importantes dentro do tabuleiro político.”

    Fragilidade na legislação 

    Em 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu uma lacuna jurídica na proteção à população LGBTQIAP+ contra a violência e determinou que condutas de ódio motivadas por orientação sexual ou identidade de gênero fossem criminalizadas. Ainda que esse reconhecimento tenha sido um marco no movimento, até o momento não há uma lei específica que aborde diretamente a questão. Atualmente, a LGBTQIA+fobia é enquadrada na Lei n° 7.716/89, conhecida como Lei do Racismo. Por que isso parece não ser suficiente?

    Da graduação ao doutorado, o advogado e professor da Universidade Federal do Pará (UFPA) Davi Haydee estuda sobre a ausência e a falta de aplicabilidade de legislações voltadas para a proteção de pessoas transexuais e travestis no Brasil. Na graduação, estudou sobre como uma Resolução e uma Portaria no Pará, que deveriam garantir o uso do nome social nas escolas, não eram colocadas em prática pela falta de conhecimento sobre a existência desses dispositivos. “Enquanto por um lado, as legislações existentes não são aplicadas, por outro lado, temos a total ausência de legislações específicas para, por exemplo, investigar e responsabilizar quem comete crimes com motivação LGBTFóbica.” 

    Embora exista a decisão do STF, o professor explica que a responsabilização ainda é escassa. “Muitas vezes há uma falta de preparo do próprio sistema de justiça em compreender essas violências como ilícitos.” Para Dandara Rudsan, advogada e defensora de direitos humanos, o fato da transfobia ser crime no Brasil não garante que pessoas trans não sejam atacadas: “É uma legislação frágil. Tudo que nós temos hoje relacionado à legislação que protege de alguma forma pessoas transgêneras são resoluções e portarias, jurisprudências, julgados coletivos.” 

    Dandara analisa que o Pará, assim como grande parte da região Amazônica, também foi palco para os discursos anti-trans nas eleições. Um exemplo é a campanha promovida pelo deputado federal Éder Mauro (PL), que disputou o segundo turno da prefeitura  em Belém. Em outubro, o candidato usou as redes sociais para atacar as pessoas transgêneras, e espalhou outdoors pela cidade dizendo “Crianças trans não existem”.

    Carol Iara tem duas hipóteses para explicar a falta de proteção legal que as pessoas trans sofrem. A primeira seria uma falta de letramento, por parte das primeiras instâncias do judiciário, ao fato do decreto do STF considerar a transfobia como crime. A segunda seria que a população trans está apartada dos direitos, como mostram pelo menos 39 projetos anti-trans tramitando no Congresso e nas Assembleias Legislativa atualmente. “A Extrema-direita utiliza as pessoas trans como linha de frente, mas não podemos esquecer também que, no fundo, é uma ataque a toda a comunidade [LGBTQIAP+]”, destaca. 

    Em novembro, a Agência Diadorim lançou a Observatória, plataforma que vai acompanhar projetos de lei pró e anti-LGBTQIA + apresentados nas assembleias estaduais, na Câmara dos Deputados e no Senado. De janeiro de 2019 a outubro de 2024, de acordo com o levantamento, 1.012 projetos de lei desse tipo foram apresentados por parlamentares, somando dados das esferas estadual e federal. Do total, 575 são favoráveis à população LGBTQIA + e 437 são prejudiciais.

    A atualização do discurso do ‘kit gay’

    O ataque específico a crianças trans foi feito de forma semelhante por diferentes candidatos. “O recorte de crianças e adolescentes trans têm sido politicamente utilizado de uma forma muito diferente do recorte LGBTI em um contexto geral. Ninguém fala que uma pessoa gay não existe, ninguém fala que uma mulher trans não existe, mas falam que crianças trans não existem”, explica Thamirys Nunes, presidenta da ONG Minha Criança Trans. 

    Fundada em 2022, a ONG é a primeira organização do Brasil a tratar exclusivamente das questões que envolvem saúde, qualidade de vida, políticas públicas e direitos de crianças e adolescentes transgêneres. A presidente conta que fundou a organização ao perceber que a filha, uma menina trans, sofria muito preconceito e, especialmente, a partir da falta de informação nos ambientes que frequentava. 

    “É um assunto que não é consenso. É mais fácil você atacar um assunto que não tem uma norma definida e que não tem um posicionamento do Estado. A pauta das crianças e adolescentes trans vive num limbo. A maior parte das instituições que falam de direitos de crianças e adolescentes têm viés ou um histórico religioso.”

    Segundo Thamirys, outra lacuna que torna as crianças e adolescentes trans mais vulneráveis é que os próprios direitos adquiridos, como a decisão do STF, não falam especificamente sobre crianças trans. “Ninguém quer tocar no assunto, é como se fosse a batata quente que todo mundo quer jogar um para o outro, não é nem de criança e nem LGBT, não é do estado, não é de ninguém.”

    Carol Iara acredita que o ataque direcionado a crianças trans foi a fake news escolhida para as eleições de 2024, assim como ocorreu com o “kit gay”, em 2022, e com a “mamadeira de piroca”, em 2018. “As fake news estão levando para a população que nós queremos ‘travestilizar’ as nossas crianças, quando estamos querendo cuidar delas. [Falam] como se quiséssemos impor uma identidade de gênero, sendo que, na verdade, é sempre o oposto. A nós que é imposta a cisgeneridade”, explica. 

    Para o psicólogo Dan Brosko, o ataque e a negação da identidade de crianças trans não é uma novidade. “Dizer que criança trans não existe é também uma estratégia perversa para afirmar que nenhum adulto é legitimamente trans, ou seja, que para ser de fato trans, houve algum “desvio”, já que na infância estava “tudo normal”. É uma propaganda sobre patologização”, comenta.

    Uma máquina comunicacional anti-trans

    Novamente, a desinformação, o discurso de ódio e a polarização ocorreram de forma massiva nas eleições municipais, afirma o vice-coordenador do Instituto Brasileiro de Transmasculinidades, Ravi Spreizer. “Em todo o Brasil, candidaturas trans ou com pautas de defesa LGBTQIAPN+ enfrentaram uma intensa onda de ataques, frequentemente ancorados em espalhar teorias infundadas. Um tema recorrente foi a alegação de que nossas pautas seriam uma tentativa de “cooptar” crianças a serem trans, hormonizando-as enquanto menores de idade, uma narrativa amplamente desmentida”, afirma.

    Em um ano, de julho de 2023 a junho de 2024, ao menos 124 publicações contra crianças e adolescentes trans foram impulsionadas por políticos de extrema-direita nas plataformas de anúncios das Meta. A lista inclui parlamentares eleitos, entre deputados, vereadores, senadores e, à época, pré-candidatos, que investiram grandes valores em propagandas anti-trans. 

    Essa estratégia de viralizar nas redes com pautas anti-trans e, consequentemente, impactar o resultado das urnas é o que Carol Iara chama de efeito de uma grande “máquina comunicacional” da extrema-direita. Embora a presença de parlamentares trans nas câmaras municipais, estaduais e no Congresso seja crescente, ela considera que ainda é desigual o poder para informar e se opor à desinformação. 

    Em 2024, diversas capitais seguiram elegendo candidatas trans e travestis. Em Porto Alegre, Natasha Ferreira (PT) e Atena Beauvoir (PSOL) formaram a primeira “bancada trans” da cidade. Segundo Dandara, a reação dos políticos é uma resposta à crescente conquista de poder observada em períodos eleitorais anteriores, com a eleição de Erika Hilton (PSOL) e de Duda Salabert (PDT), por exemplo.

    E agora, para onde vamos?

    Na semana após o primeiro turno das eleições, Carol Iara organizou diversas rodas de conversa em São Paulo. Ela acredita que essa é uma forma de mobilização efetiva no combate aos programas anti-trans vigentes. “Nós estamos em um período difícil, em que não tem grandes acontecimentos nas ruas. Nós estamos sós. Em 2013, milhões de pessoas estavam na rua reivindicando coisas. Agora, não tem nenhuma perspectiva no sentido mais disruptivo”, reflete. “Precisamos mobilizar e organizar as pessoas, para além de ganhar ou perder eleições. A gente não pode pensar que acabou a eleição, acabou a política. Muito pelo contrário”, destaca Carol Iara. 

    Uma perspectiva de avanço, segundo Davi Haydee, é a efetivação do Formulário “Rogéria”, que pretende mapear e levantar dados sobre violência LGBTfóbicas. Em setembro deste ano, o governo federal e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) assinaram um Acordo para a implementação do Formulário de Registro de Ocorrência Geral de Emergência e Risco Iminente à Comunidade LGBTQIA + em âmbito nacional. A expectativa é de que o procedimento ajude no letramento das diversas instâncias e instituições, para além das cortes superiores, sobre transfobia enquanto crime. 

    Do ponto de vista da conquista de direitos, Ravi Spreizner avalia que o momento é de atenção. “É de se esperar muitos embates envolvendo pautas de gênero e sexualidade nos próximos 4 anos”, diz Ravi. Ele acredita que as eleições de 2024 mostram que a luta por direitos da população trans está em um ponto crucial: “Estamos enfrentando tanto oportunidades de avanço, quanto desafios significativos diante de uma retórica que frequentemente distorce as pautas da comunidade.”